
Os dois homens enfrentam-se
furiosamente na manhã de sábado, no mercado municipal, repleto de feirantes.
Embora o vozerio é intenso de pessoas que apregoam
suas mercadorias das mais variadas e múltiplas espécies, ouve-se distintamente
o palavreado feio proferido pelos rixentos.
Pelo que se vê e se sente, é uma arruaça
protagonizada por dois indivíduos estranhos e fisicamente desiguais. Basta
dizer que um é alto e corpulento à medida que o outro é baixo e
assustadoramente magro. Trajam roupas simples, sem etiqueta, ordinárias e
calçam sandálias havaianas em péssimo estado de conservação. Pelo visto ninguém
sabe quem são os indivíduos, nem tão pouco de onde vieram.
Os dois forasteiros, naturalmente instigados pelas
bebidas alcoólicas e sabe-se mais lá o quê ou pura encenação, no
empurra-empurra vão derrubando tudo que encontram pela frente, desvencilhando-se
dos que tentam contê-los no emaranhado de curiosos. Parecem dois touros
enfurecidos.
- Será que eles estão armados?, indaga alguém no meio
da confusão, para quem quiser ouvir, já que lançara a pergunta a esmo, em meio
ao pânico generalizado.
- Chama a polícia, gente!,sugere afinal uma feirante
alarmada com o que está vendo, visivelmente apavorada.
Mas a turma do “deixa disso” que nunca falta nessas
ocasiões, insiste em acalmar os rixentos envolvidos no conflito.
Neste meio tempo alguém adverte que os forasteiros em
luta, com certeza estão armados e que todos ali correm risco de vida.
- Gente, chama a polícia!,volta a insistir a feirante,
indagando quem ali teria um telefone em disponibilidade.
Mas sua voz parece um sussurro em meio a confusão, o falatório, o corre-corre.
O fato é que de repente, tudo fica pior e apavorante
quando uma senhora de pouca visão que se acha presente, vocifera:
- Muito sangue!,garante a idosa, chocando-se contra
tudo que encontra pela frente.
Aí é que o bicho pega. É o que falta para o pânico total
alastrar-se até que vem a confirmação de que a idosa havia se enganado. O que
ela enxergara mal na realidade não passava de uma garrafa que se quebrara,
contendo corante de urucum que se espalhara pelo local.
A esta altura, ao ouvirem que “a polícia já está
chegando” os baderneiros interrompem repentinamente a “luta corporal” e
conseguindo romper a compacta muralha humana que se formara em torno deles, põem-se
em disparada e tresloucada correria. Deixam para trás uma multidão boquiaberta
e sem saber o que realmente acontecera.
Uma vez fora do cenário da “contenda violenta”, os
arruaceiros que na verdade não passam de ladrões batedores de carteira, mestres
na arte do disfarce e da enganação, em lugar seguro, fora da cidade, rejubilam-se
entre si:
- Coitado de nós, se não fosse os bestas!
E, cinicamente, como se nada houvesse acontecido, às
gargalhadas, dividem o que conseguiram durante o pugilato simulado.
*Sebastião Lobo é jornalista, advogado, escritor, autor de livros, colunista do Diário de Teófilo Otoni e membro honorário da Academia de Letras de Teófilo Otoni
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